Publicado: Terça, 17 Dezembro 2013 11:26
  Autor: Gabriel Mario Rodrigues
  Fonte: Portal ABMES


"Quem julga com o entendimento, se entende mal, julga mal; se entende bem, julga bem. Porém, quem julga com a vontade, ou queira mal, ou queira bem, sempre julga mal. Porque se quer mal, julga movido pela ira vingativa; e se quer bem, julga movido pelo amor cego. Ou movida pelo amor cego, ou movida pela ira vingativa, a vontade sempre julgará mal". (Pe. Antonio Vieira, Sermão do Segundo Domingo do Advento)

 

Por ser assunto de domínio dos especialistas educacionais, nem o público, nem os universitários e, muito menos, a mídia têm a obrigação de saber da existência dos dois processos existentes para avaliar as instituições de ensino superior (IES) brasileiras.

O primeiro processo, proposto pela Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/1966), rege o credenciamento de uma IES para que esta possa funcionar, ser autorizada e, posteriormente, ter seus cursos reconhecidos, emitir e registrar diplomas. Posteriormente, a IES deve ser reavaliada periodicamente, para ser recredenciada e ter renovados os seus cursos. Tais procedimentos fazem parte do dia a dia IES, que são analisadas por equipe de professores especialistas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC), cujos pareceres são submetidos à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC) e ao Conselho Nacional de Educação (CNE). É um trabalho rotineiro executado pelo MEC e que, anualmente, alcança mais de 6 mil inspeções.

O segundo processo destina-se a avaliar a qualidade educacional dos cursos, de acordo com o disposto no artigo 206 da Constituição Federal.

O objetivo deste trabalho é, não só, mostrar a diferença entre avaliação para fins regulatórios (adequação às normas legais) e avaliação para fins de certificação de qualidade (baseada em critérios específicos), tendo em vista a natureza diferenciada desses processos, como também, demonstrar os equívocos do modelo.


Normas que instituíram e regulamentam a avaliação da educação superior

As regras e os procedimentos para os processos de avaliação foram estabelecidas pela Lei nº 10.861/2004 que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Trata-se de um processo de extrema complexidade, considerando que os objetivos e atividades dos cursos precisam ser amplamente analisados para demonstrar a sua adequação aos objetivos que pretendem alcançar.

O artigo 3º da Lei do Sinaes dispõe que a avaliação de uma IES terá por finalidade identificar o perfil institucional e o significado de sua atuação, por meio de atividades, cursos, programas e projetos com base em dez dimensões institucionais. É a primeira avaliação que serve, como dissemos, para se obter a autorização, o reconhecimento e o credenciamento de cursos oferecidos pelas IES.

Estas dimensões orientam o trabalham das Comissões externas do (Inep/MEC) que fazem as avaliações in loco. Os trabalhos duram em média de 2 a 3 dias e as IES são classificadas com notas de 1 a 5, Com base no Conceito Institucional (CI) e no Conceito de Curso (CC), criados pela Portaria 40 (art.35)[1].

A Lei do Sinaes definiu regras bem mais rígidas em relação à segunda avaliação, a da qualidade das instituições, tais como: a diversidade das instituições de ensino superior; o respeito às diferenças regionais; a variação de tipologias e de metodologias usadas (faculdade, centro universitário e universidade); às desigualdades econômica, social e cultural dos estudantes.

A lei determinou também que os procedimentos avaliativos deveriam envolver: a autoavaliação das instituições; a avaliação externa realizada pelo MEC e o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade).

Falta de estrutura do MEC para avaliar as IES

O fato é que o MEC não tem condições estruturais para atender ao preceito constitucional de avaliar anualmente a qualidade de 30 mil cursos em média como explicita a Lei do Sinaes, problema já registrado pelo então ministro Fernando Haddad em reunião da qual participamos, há três anos. Ele nos explicou que, quando um grande grupo de IES tem seus cursos avaliados estatisticamente com base na curva de Gauss, cujos resultados podem variar de 1 a 5, o resultado será sempre similar: existirá cerca de 20% de notas máximas, 4 e 5, numa ponta, e 20% de notas mínimas, 1e 2, na outra. O percentual maior aproximado de 60% ficará no centro com notas 3. Com base nesses cálculos estatísticos, o MEC, segundo Haddad, precisaria fazer a avaliação presencial apenas nas instituições que tirassem 1 e 2, o que corresponderia a cerca de 20% das IES.

O ministro saiu do MEC e parece não ter passado ao seu sucessor as informações sobre o modelo estatístico adotado. Os técnicos do MEC, por sua vez, não parecem dispostos a explicar a questão.


O afastamento conceitual da Lei do Sinaes

O Sinaes estabelece que, para se conhecer a qualidade de uma instituição e de um curso, deve-se observar as três dimensões da avalição: a avaliação interna da instituição; a avaliação externa realizada pelo MEC e o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade). Com a finalidade de não precisar visitar todas as instituições anualmente, foram criados pela Portaria 40 (art.35) o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC), para determinar por meio de uma fórmula matemática, baseada no Enade, que somente as IES que tivessem nota 1 e 2 precisariam ser efetivamente avaliadas.

O CPC foi concebido como um indicador preliminar para apontar as IES que precisariam ser avaliadas presencialmente. Com isto, o trabalho do MEC seria reduzido em cerca de 80%. Se nesta avaliação o Conceito de Curso (CC) não fosse 3, a IES seria convocada a celebrar um Protocolo de Compromisso (PC), destinado a promover a melhoria da qualidade de seus serviços educacionais, para depois ser reavaliada.


CPC e IGC – conceitos preliminares tomados como definitivos

Na realidade, os CPCs e IGCs – indicadores preliminares que apontam apenas indícios de que a avaliação não teve bom desempenho – são tomados como definitivos e as instituições têm seus processos seletivos suspensos em flagrante desrespeito às normas legais, com grades prejuízos ao seu desenvolvimento.


Desvirtuamento do papel e dos objetivos do Enade

Já a função do Enade é outra. O exame determina que o estudante deve ser avaliado em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação. As habilidades do estudante devem ser analisadas em função da evolução do conhecimento e as competências em função da compreensão dos aspectos exteriores de sua profissão ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento.

O Enade avalia uma área de estudos a cada ano – Ano1: Saúde; Ano2: Ciências Exatas e Ano 3: Ciências Humanas. Isto significa que a comparação só pode ser feita depois de 3 anos. A prova, constituída por 40 questões – 30 sobre as matérias do curso e 10 sobre conhecimentos gerais –, é realizada num domingo à tarde com duração de quatro horas, podendo o estudante sair depois de uma hora. Sua única obrigação é assinar a lista de presença. A nota não é o percentual de questões que acertou e nem vai para seu histórico escolar.

Diferentemente de seu propósito, o Enade não está sendo usado para ver o que o estudante aprendeu. Explicando o que acontece: se as notas vão de 0 a 5, quem acertou 30% tem nota 3,75 que seria a medida de seu conhecimento sobre o curso. O Enade não é um índice de acertos, por exemplo, acertou 30%, e, sim, a posição que o aluno da instituição tem comparativamente à média padrão de todos os demais cursos. Nesse sentido, a conta tem de ser diferente, isto é, a média do aluno comparada com a média de todos os alunos que mostra o seu curso relacionado com outros de 1 a 5.


À guisa de conclusão
 

Nenhuma instituição educacional é contra a avaliação, mas, sim, contra os métodos superficiais, nos quais os indicadores frágeis se tornaram verdades absolutas e são capazes de penalizar de maneira irreversível as instituições de ensino e os seus alunos.

O MEC precisa sintonizar-se com a realidade e perceber que o propósito de qualquer avaliação é promover a melhoria contínua das instituições. A avaliação é, acima de tudo, um processo pedagógico que visa a maximizar a qualidade dos recursos humanos formados pelas instituições educacionais. Avaliar com base num único indicador, sujeito a imperfeições, é incorrer na prática inadmissível do preconceito. Neste contexto, o Ministério da Educação precisa reconhecer que o caminho adotado está imperfeito e que urge buscar uma proposta mais justa e coerente com os preceitos legais e com a realidade e diversidade das instituições de ensino superior brasileiras.

De fato o MEC não cumpre os preceitos estabelecidos pelo Sinaes e, por ter uma régua só de avaliação, não observa a diversidade das IES tais como: tipologia – se ela é universidade, centro universitário ou faculdade; tamanho; localização regional; diferenciais competitivos e projeto de desenvolvimento institucional. A adoção de procedimento único é um absurdo pela percepção descomprometida com a realidade educacional brasileira. As principais prejudicadas por este insensível sistema avaliativo são as faculdades pequenas do interior do país, que cumprem  papel relevante na oferta de educação superior pois representam a única oportunidade aos estudantes de possibilitar acesso cultural, social e profissional.

O lamentável mesmo é truncar as boas iniciativas que precisam ser incentivadas e não tratadas desinteressadamente pela burocracia estatal. Além do mais, o MEC não pode punir instituições tendo por base um simples Indicador Preliminar. Só poderia fazê-lo após a avaliação real, como determina a lei.

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