Publicado: Sexta, 05 Julho 2013 13:59
  Autor: Edna Ferreira
  Fonte: Jornal da Ciência

Conteúdo extenso, carga horária excessiva, falta de experimentação, muita memorização e fórmulas são alvo de críticas.


O currículo adotado pelo MEC para todo o ensino básico, sobretudo para o ensino médio, é alvo da desaprovação de especialistas. Excesso de carga horária, falta de experimentação, muita memorização e fórmulas compõem o modelo atual. O diagnóstico é que a grade curricular do ensino médio é muito inchada - em média são 13 disciplinas. O resultado é um indivíduo sem censo crítico, com dificuldades de interpretação e incapaz de tirar suas próprias conclusões. Esse quadro afeta diretamente a graduação de nível superior e vôos mais altos como cursos de doutorado e mestrado fora do país. Os sinais já começam a aparecer com exemplos de uma fraca atuação de brasileiros em provas internacionais.

Na visão do professor Isaac Roitman, coordenador do Núcleo do Futuro (n-Futuros/CEAM/UnB) da Universidade de Brasília, a prioridade não é o conhecimento, mas como buscar e usar o conhecimento. "Aprecio um pensamento de Paulo Freire que diz: "Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre. "O processo de aprendizagem não pode ser confundido com memorização. Mais importante que memorizar é exercitar o pensamento, a crítica e a criatividade. A "camisa de força" como é considerado o currículo escolar precisa ser destruída e incinerada", afirma.

Ainda de acordo com o professor Roitman, a educação formal deve preparar os estudantes a mobilizarem os seus recursos cognitivos para resolverem novos problemas ou novas situações. "O principal objetivo do aprender é possibilitar o melhor entendimento da vida em diferentes dimensões: conviver com a natureza de forma sustentável, conviver de forma ética com todos os seres humanos respeitando a diversidade cultural, consolidar conceitos e procedimentos de igualdade e solidariedade, preparar-se para uma atividade profissional exercida com responsabilidade social e na qual tenha satisfação pessoal", definiu.

Já para o professor Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, a "camisa de força" curricular do MEC atende pelo nome de "Objetos de Aprendizagem" da matriz do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De acordo com ele, a política gestada e posta em prática em 1997-8, de unificação curricular por meio da pressão de exames, teve pleno êxito apenas nos últimos anos. "Hoje 7,1 milhões de jovens devem estudar uma lista extensa de conteúdos conceituais para disputar as pouco mais de 130.000 vagas oferecidas no sistema federal de ensino. Os 7 milhões de jovens que não tiverem sucesso se perguntarão qual a razão de terem estudado "Neoplasias e a influência de fatores ambientais", por exemplo, conforme consta no edital do Enem 2013. Vejo aí um contingente nada desprezível sendo chamado às ruas", analisa.

Ele avalia que o currículo atual não prepara pessoas capazes de tomar as próprias decisões. "Evidentemente que ao estudar "neoplasias e a influência de fatores ambientais" no ensino médio não se estará preparando os jovens para nenhuma decisão, uma vez que não faz sentido se dedicar a um assunto tão específico, sem uma base conceitual anterior", exemplifica o professor.

Bizzo, que é coordenador científico do Núcleo de Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução (EDEVO-Darwin), da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, afirma que a educação, dita formal, precisa buscar contextos próximos dos estudantes, tomando o ensino médio como base para a preparação para a vida, tendo o trabalho como princípio educativo. "Isso não significa que a educação deva ser obrigatoriamente profissionalizante", pondera.

O professor Roitman pede mudanças, pois avalia a escola como chata e desvinculada da vida real. "É imposto ao aluno uma avalanche de informações que Darcy Ribeiro costumava dizer que era o conhecimento inútil. A aula expositiva deve ser abolida e ser substituída por atividades em que os estudantes sejam protagonistas e constantemente desafiados a criticar, a criar e a pensar", propõe. Em nota, a assessoria do MEC limitou-se a dizer que o ministério é "contra a inclusão de novas disciplinas na educação básica".

Mudanças a caminho
No dia 19 de junho, o MEC anunciou que trabalha na elaboração de uma base nacional comum para o conteúdo ensinado nas escolas brasileiras. O anúncio foi feito pelo secretário de Educação Básica, do Ministério da Educação, Romeu Caputo, que participou de audiência pública na Câmara dos Deputados.

Diante da possibilidade de o país adotar um currículo nacional, vale lembrar que o Plano Nacional de Educação (PNE, PL 8035/10) - aprovado na Câmara no ano passado e em discussão atualmente no Senado - tem como estratégia o estabelecimento de direitos e objetivos de aprendizagem para a educação básica, que inclui os ensinos fundamental e médio. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei 9.394/96) também estabelece que o governo federal, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação (CNE), defina uma base nacional curricular.

Para Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, essa Base Nacional Comum já está definida na própria Constituição Federal de 1988 e nunca foi realmente implementada. "Deve-se atentar para conteúdos realmente básicos, definindo-se afinal o que deve ser visto em cada ano, uma vez que os sistemas de avaliação não podem monitorar a progressão da avaliação sem a referência dos conteúdos. As avaliações seriadas de alunos do ensino médio, promovidas por diversas universidades, devem igualmente se ajustar a uma Base Nacional Comum. Isso não impede que cada escola decida sobre o restante de seu currículo e exercite sua autonomia", alerta o professor.

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