Publicado: Segunda, 24 Novembro 2014 15:30
Autor: Antônio Gois
Fonte: O Globo
Estudos sobre o funcionamento do cérebro mostram que a maioria dos indivíduos tem um padrão semelhante de comportamento: ficam mais vigilantes na parte da tarde e apresentam maior dificuldade de concentração nas primeiras horas da manhã. Isso se aplica inclusive a crianças a partir dos dez anos de idade. Qual é então o sentido de obrigar jovens a acordarem às seis da manhã e exigir deles que, às sete, já estejam atentos para aprender matemática em suas primeiras atividades escolares? Por essa lógica, seria muito mais produtivo, por exemplo, iniciar o dia com outras atividades lúdicas — como o ensino de música, que ajuda crianças a prestarem mais atenção nas atividades seguintes — e deixar aulas de disciplinas que demandam maior esforço e concentração para mais tarde.
A evidência acima é apenas uma de muitas já bastante conhecidas pelos neurocientistas, mas de que nem sempre as escolas se apropriam. Por outro lado, ainda há muito a avançar em pesquisas que nos ajudem a entender como aprendemos, e existem no país pesquisadores e grupos em vários campos do saber dispostos e capacitados para colocar suas competências em favor da educação.
Diante desse quadro, um grupo de renomados pesquisadores, com apoio do Instituto Ayrton Senna e da Capes, se reúne hoje no Rio para formalizar a criação de uma Rede Nacional de Ciência para a Educação. Como afirma o documento que servirá de base para o lançamento da iniciativa, o desafio é não apenas “usar mais efetivamente os dados das ciências para substanciar as práticas e políticas educacionais”, mas também “usar o conhecimento e a experiência adquiridos na prática educacional para levantar questões que testem e refinem a pesquisa conduzida sobre a educação”.
Trata-se, portanto, de uma via de mão dupla, e esse é um dos aspectos mais importantes da proposta. A realidade de sala de aula é bem mais complexa que aquela estudada em laboratórios, e achar que um grupo de especialistas, por mais reconhecidos que sejam em suas áreas, possa criar, de fora para dentro, um receituário de práticas a serem adotadas indiscriminadamente por todas as escolas, ignorando o conhecimento já construído dos educadores, seria um equívoco grosseiro.
“Não pretendemos ditar regras aos professores. Queremos estimular estudos que produzam conhecimento que possa ser utilizado por eles, mas também queremos que os profissionais da educação nos tragam questões, a partir de suas experiências, que possam inspirar nossas pesquisas”, afirma o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent, um dos organizadores da rede.
Ele explica que o conceito é parecido com o que já acontece, em maior grau, na área da saúde: ao mesmo tempo em que evidências surgidas em pesquisas de laboratório alteram práticas de atendimento e geram inovações, também a experiência direta com pacientes traz pistas importantes que são estudadas, comprovadas e se tornam práticas a disseminar.
O aprendizado é influenciado por inúmeros fatores sociais, e é claro que nem toda conclusão de pesquisa em laboratórios ou em grupos controlados de alunos é replicável em larga escala. Mas o país tem muito a ganhar se conseguirmos construir essa ponte entre as salas de aula e os mais avançados laboratórios de pesquisa do país.