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  Publicado: Terça, 19 Janeiro 2016 10:31
  Autor: Fábio Takahashi
  Fonte: Folha de São Paulo
  Link: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/09/1677857-como-explicar-a-baixa-qualidade-no-ensino-medio.shtml

As estatísticas do ensino médio brasileiro são claras: o total de jovens em escolas é insuficiente, e o aproveitamento dos que estudam é baixo. Mas os números não mostram a razão desse quadro.


Para investigá-la, a reportagem da Folha consultou 12 dos principais atores da educação do país. Foram ouvidos representantes de governos, sindicatos, alunos, universidades, ONGs e indústria.

Cada um podia mencionar até três explicações para a má qualidade do ensino. A maioria, oito, apontou o currículo como nó principal.

A organização dos conteúdos a serem transmitidos aos jovens foi bastante criticada.

A legislação brasileira exige 12 matérias no ensino médio. "Além de serem muitas disciplinas obrigatórias, elas não conversam entre si", afirma Rossieli da Silva, vice-presidente do Consed, entidade que representa os secretários estaduais de Educação.

"O aluno não sabe por que está aprendendo aquele conteúdo de física ou de química e, às vezes, nem o professor sabe por que está ensinando", completa. Os Estados, em essência, respondem por essa etapa da educação.

Outro aspecto citado também está ligado ao currículo: é a falta de perspectiva do jovem ao cursar essa etapa.

"Parece ser só uma passagem, uma preparação para a universidade. Não há motivação para levar a sério", opina Bárbara Melo, presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).

Seis entrevistados lembraram que alunos chegam ao ensino médio com deficiência de aprendizagem e têm mais idade que a ideal (15) por terem sido reprovados.

Universidades particulares também reclamam que gastam parte do tempo e dos recursos para dar reforço a estudantes não devidamente formados no ensino básico.

PRODUTIVIDADE

A melhoria da qualidade da rede pública, em geral, e da educação na fase média, em especial, é crucial para que o país se desenvolva mais rapidamente, ressaltam os representantes da indústria.
Segundo comparação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), são necessários cinco brasileiros para que se tenha a mesma produtividade um americano, em média.

"Com baixa aprendizagem, o trabalhador brasileiro não entende instruções, não consegue se expressar na linha de produção ou encontrar soluções", diz o diretor de educação e tecnologia da confederação, Rafael Lucchesi.

"Alguns acham que devemos educar para preparar mão de obra. Outros acham que temos de preparar para mão de obra, cidadania e crescimento pessoal", diz José Fernandes de Lima, membro do Conselho Nacional de Educação, explicitando uma das muitas divergências filosóficas que emperram a definição de um currículo.

Há quase 20 anos entrava em vigor a lei determinando a fixação dos conteúdos a serem ensinados aos alunos do país. O que não aconteceu.

Hoje o que é chamado de currículo obrigatório no Brasil é apenas a definição das matérias (13) previstas na regulamentação e linhas gerais a serem seguidas pelas escolas, sem especificação do que o estudante deve aprender.

Um currículo claro mostraria o mínimo que os estudantes brasileiros deveriam aprender. Também nortearia a formação de professores.

Se esse é mesmo o principal fator que compromete o ensino médio, há esperança.

Neste mês, o Ministério da Educação deve apresentar documento inicial para discussão com ideia de base nacional curricular (nome formal do currículo nacional). A previsão é que o texto seja fechado em março de 2016 e, então, apreciado pelo Conselho Nacional de Educação.

Paralelamente, porém, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência deve apresentar texto alternativo.

O da Educação pretende definir 60% do conteúdo curricular e deixar o restante a critério das redes de ensino. A outra pasta federal deve propor algo considerado mais "ousado", com aulas de raciocínio lógico, por exemplo.

A discussão deve ser intensa. Há educadores que defendem currículo flexível, permitindo ao aluno escolher o que estudar, ao menos em parte da carga horária. A Secretaria de Educação de São Paulo já ruma para essa opção.

"Sou contra. Não conseguimos nem oferecer satisfatoriamente o básico ao aluno, como flexibilizar? Haverá professores suficientes?", questiona o pesquisador de educação Ocimar Alavarse, da USP, lembrando o deficit atual de docentes no país.

Outra divergência é sobre o quão detalhista deve ser o currículo: define tudo o que deve ser passado em cada série, o que daria mais uniformidade no ensino, ou deixa as escolas livres para respeitar diferenças regionais?

Colaborou FÁBIO MAZZITELLI