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  Publicado: Terça, 19 Janeiro 2016 10:08
  Autor: Yvonne Maggie
  Fonte: Portal G1
  Link: http://g1.globo.com/pop-arte/blog/yvonne-maggie/post/persistencia-da-pedagogia-da-repetencia.html

Antônio Gois, na sua oportuníssima coluna do jornal O Globo do último dia 11 de janeiro, segunda-feira, em meio ao caos da crise em que vivemos, escreveu sobre um tema essencial e estrutural a respeito do qual poucos se debruçam. Afirma com muita propriedade que as “Pesquisas provam que a repetência não traz benefício algum ao aluno” e ressalta um dado assustador: “... as taxas de aprovação pioraram na cidade do Rio de Janeiro”.

 

O articulista faz um pequeno histórico da nossa posição nos rankings internacionais sobre educação: em 2000, segundo dados da Unesco, o Brasil ocupava uma posição  atrás de Ruanda, São Tomé e Príncipe, Madagascar, Congo, Togo, Camarões e Burundi. E antes disso, nos anos 1980, “chegamos ao disparate de reprovar seis em cada dez crianças da primeira série, quadro bem resumido pelo físico Sergio Costa Ribeiro (1936-1995) como uma verdadeira ‘pedagogia da repetência’”. Gois, apoiando-se no pesquisador Ruben Klein, mostra que em 2013 a estratégia da repetência, embora menos drástica, persistia pois estava na casa dos 10% no ensino básico e 19% no primeiro ano do ensino médio. Ou seja, os indicadores da nossa educação,  de um modo geral, continuam ruins.
 
E a perplexidade maior de Antônio Gois foi a grita geral quando as redes escolares do Brasil tentaram introduzir uma política de ciclos, logo identificada com a aprovação automática: “A crítica de que não podemos simplesmente passar crianças de ano sem a preocupação de fazer com que elas aprendam é justíssima. Quando os indicadores de reprovação ou evasão pioram, porém, não esboçamos indignação parecida”, disse o articulista.
 
Eis o xis da questão? Por que no Brasil pessoas de todas as classes e a própria elite intelectual, com raras exceções, acreditam que a reprovação é uma boa estratégia?
 
Acrescento ao excelente artigo de Antônio Gois uma hipótese.
 
Para começar irei contrapor, de forma bem simplista nos limites deste post, dois sistemas educacionais que se diferenciam em muitos sentidos.
 
No sistema britânico, por exemplo, o ensino se organiza a partir de “caminhos” e escolhas. Os estudantes ingressam na escola e seguem sua trajetória tendo como princípio que a cada série corresponde uma idade. Há oportunidades de escolha de disciplinas e percursos. Ao longo do curso, são postos à prova, e podem escolher matérias nas quais conseguem melhor desempenho. No final, os que obtiverem melhores notas em exames especiais e nas matérias escolhidas são encaminhados para o ensino superior.
 
As tradições portuguesa e francesa, diferentemente da inglesa, são baseadas no princípio assimilacionista. A premissa básica é a de que todos os alunos devem aprender um conjunto de disciplinas canônicas. Aqueles que não conseguem atingir as notas necessárias são retidos na série. A repetência na França é um fenômeno antigo e faz parte da história de seu sistema de ensino, embora, desde os anos 1980, exista uma crítica severa a tal mecanismo, e maior controle sobre ele.
 
Levanto a hipótese de que na educação do nosso país opera o princípio organizador típico do assimilacionismo que nos dominou por séculos, herdado de Portugal.
 
O assimilacionismo português baseava-se na concepção de que os chamados indígenas, ou colonizados, poderiam almejar a cidadania portuguesa desde que se submetessem à dura tarefa de abandonar sua língua, sua cultura, “seus usos e costumes”. Na prática, por meio de exames duríssimos, muito poucos nativos, no fim do percurso, eram considerados assimilados e obtinham a cidadania portuguesa.

Esta noção do assimilacionismo português pode nos dar algumas pistas para entender por que, no Brasil, um sistema educacional de custo tão elevado e de estrutura tão complexa resulta em um número tão reduzido de concluintes em seus vários níveis de ensino e com rendimento escolar tão baixo. E talvez explique também por que é tão generalizada a ideia de que a reprovação é boa medida para ensinar. Semelhante ao sistema escolar português, no qual poucos alcançavam seu objetivo, no modelo brasileiro as crianças e jovens que não atingem as notas necessárias são reprovadas. Retidos na mesma série, com regularidade mais de uma vez, acabam desistindo e saindo da escola antes de obterem um diploma.

Embora tenha havido enorme esforço no sentido de ampliar o acesso e a permanência de mais crianças e jovens na escola, criando mecanismos de combate à repetência, houve pouca melhora da proficiência dos estudantes nas avaliações externas, inclusive nas avaliações internacionais. Além disso, devido à persistência da repetência é grande o contingente de jovens alijados do sistema escolar e sem nenhum certificado de conclusão de curso.

Mesmo diante das mudanças significativas ao longo desses vinte anos, ainda é válido, como fez Antônio Gois em seu artigo, lançar mão do que o pesquisador Sergio Costa Ribeiro, no início dos anos 1990, cunhou como “pedagogia da repetência” para definir nosso sistema educacional.  Em seu artigo clássico de 1991, “A pedagogia da repetência”, afirmou o pesquisador: “Parece que a prática da repetência está contida na pedagogia do sistema como um todo. É como se fizesse parte integral da pedagogia, aceita por todos os agentes do processo de forma natural. A persistência desta prática e da proporção desta taxa nos induz a pensar numa verdadeira metodologia pedagógica que subsiste no sistema, apesar de todos os esforços no sentido de universalizar a educação básica no Brasil.”

Com efeito, pensar a “pedagogia da repetência” como o princípio básico do nosso sistema educacional,  e sua analogia com a noção do assimilacionismo própria à agência colonial portuguesa pode facilitar a compreensão da persistência da repetência como metodologia pedagógica que ainda permeia todo o sistema educacional do País. Aceita  por quase toda a sociedade, torna seu combate muito mais difícil.

Em tempos de crise como a que vivemos no Brasil hoje, é fundamental, como fez Gois, discutir as razões estruturais de nossos velhos problemas.