Publicado: Quinta, 14 Fevereiro 2013 07:40
  Autor: Luiz Guilherme Piva
  Fonte: Portal UOL Educação

A aprovação quase compulsória de alunos reduz o risco de escapes mais rápidos e nem sempre legais de sobrevivência e ascensão social.

Muita gente critica o que seriam leniências do setor público em relação à educação, enfatizando dois pontos. O primeiro é a aprovação ou promoção quase compulsória dos alunos do ensino fundamental. O segundo é a aceitação de abertura de inúmeros cursos superiores.

No primeiro caso, alega-se que tal política não só forma maus alunos, que fracassarão adiante, como também os deseduca socialmente, uma vez que retira dos professores e diretores o poder de puni-los pela reprovação ou retenção.

No segundo caso, a crítica é à enxurrada de maus profissionais no mercado de trabalho, o que prejudica o recrutamento, a produtividade e a competitividade e, em alguns casos, compromete a segurança (engenharias, saúde etc.).

Não nego totalmente esses aspectos. Têm de ser, na medida razoável, considerados e mitigados. Mas é preciso que esses críticos observem os benefícios dessas políticas -que não são triviais e podem, se forem acompanhados de aperfeiçoamentos, sustentar sua continuidade e sua ampliação.

As crianças que estão em escolas públicas são carentes não só de recursos financeiros, como também de condições de habitação, saneamento e alimentação, entre outros. A estrutura social e familiar que as cerca muitas vezes é precária -no sentido de assegurar proteção, afeto, referência moral e autoestima.

Estudar, nesse caso, é um acidente que, tão logo seja possível, será descartado, com apoio de parentes e amigos, em prol de formas mais rápidas (e nem sempre legais) de sobrevivência e ascensão social.

Em resumo, tudo atua para que essas crianças saiam da escola. A escola precisa, então, disputá-las com seu ambiente, para ganhar sua adesão, sua permanência, sua continuidade. A reprovação, certamente, não ajudará nesse desafio.

Para os que treplicarem que é melhor resolver antes a questão social, apresento dois argumentos: a) isso demora; e b) manter mais crianças na escola por mais tempo diminui o problema social a ser resolvido.

Quanto à crítica à proliferação de escolas superiores -à qual eu poderia adicionar pelo menos uma, que é sua utilização como base de sustentação política-, considere-se que elas põem em contato com livros, fotocópias, computadores, professores, colegas, trabalhos, exercícios, discussões, ambientes, dados, informações, formas de convívio, pesquisas e tudo o mais que existe nas comunidades acadêmicas, uma massa de adultos que dificilmente teriam tais experiências.

Alguns deles serão bem-sucedidos, mesmo oriundos de escolas fracas. O mercado os testará sem comiseração. Outros não vingarão em sua área, por seleção do mercado ou porque o curso não lhe interessava como vocação profissional e, sim, como qualificação salarial (que poderão obter).

Talvez sigam em suas profissões de nível médio -mas muito mais qualificados, educados, instruídos. Talvez empreendam -com muito melhor formação. E muitos outros talvez nem concluam seus cursos, ou os concluam de forma muito negligente. Mas todos eles terão lido, assistido a aulas, convivido com universos que, no mínimo, propiciarão parâmetros novos, diferentes do exclusivismo do ócio, da violência e dos vícios.

Também aqui se pode argumentar que a questão social é mais relevante e precedente. Eu respondo com as seguintes questões: pergunte aos familiares e convivas desses adultos se a relação com eles é indiferente à sua condição de estudante; imagine como esses adultos tratarão seus filhos em relação à educação e a comportamentos, interesses e ambições; e imagine essa massa de adultos que afluiu a tais escolas nos últimos anos se sua demanda não tivesse sido atendida.

É uma forma mais complexa de fazer a discussão. Mas vale a pena.
LUIZ GUILHERME PIVA, 50, economista, mestre e doutor em ciência política pela USP, é diretor da Angra Partners. Publicou "Ladrilhadores e Semeadores" (Editora 34) e "A Miséria da Economia e da Política" (Manole)

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