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  Publicado: Sábado, 21 Março 2015 11:43
  Autor: ELEONORA DE LUCENA
  Fonte: Folha de S.Paulo

Massificar, descentralizar, popularizar. Esses devem ser os objetivos do ensino superior no Brasil, na visão de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, 64, professor de ciência política da Unicamp.

Sua análise foi consolidada com a pesquisa sobre os modelos de educação em vários países. Parte dela está sendo lançada agora no livro "Educação Superior nos Estados Unidos: História e Estrutura" (Editora Unesp), que percorre as metamorfoses do sistema desde a colônia.

 

A obra mostra como os norte-americanos transformaram um modelo elitista e privado em outro flexível e majoritariamente público.

Doutor em filosofia e autor de "O Peso do Estado na Pátria do Mercado" (2013), Moraes afirma que o dinheiro público foi decisivo para essa evolução. "Em lugar nenhum do mundo o ensino superior se paga", diz.

  Adriano Vizoni/Folhapress  
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, doutor em Filosofia pela USP e professor da Unicamp
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, doutor em Filosofia pela USP e professor da Unicamp

 

Folha - Como foi a evolução do ensino superior nos EUA e o que ela nos ensina?

Reginaldo Moraes - Os Estados Unidos foram muito pragmáticos e pouco ortodoxos na construção de instituições de ensino superior. Mesmo durante os tempos de colônia, quando hipoteticamente tinham o modelo inglês, fizeram adaptações no sentido de ter um sistema mais aberto. Até a Segunda Guerra Mundial, as escolas eram basicamente privadas e elitistas. Depois, isso mudou muito -hoje, 70% do ensino superior é público. Houve uma enorme expansão, com a chegada do ensino à classe média baixa. Mais importante, ocorreu uma capilarização. O acesso é mais democrático, não só pelo aumento do número de vagas, mas pelos pontos de acesso espalhados pelo território. O jovem tem, a 40 minutos de sua casa, um ponto de acesso para o ensino superior.

O sr. destaca a importância do Estado nessa evolução. Como isso ocorreu?

O Estado subsidiou e estimulou a educação desde o começo. Por exemplo, com doação de terras e prédios e com dotações, bolsas e financiamento de pesquisa. O dinheiro público foi decisivo. Em lugar nenhum do mundo o ensino superior se paga. É preciso uma parcela grande do dinheiro público para a expansão. Também no setor privado dos EUA o dinheiro público é decisivo.

Qual é a sua avaliação do ensino superior no Brasil?

Temos um debate viciado e provinciano. Ensino superior e universidade são coisas diferentes. Universidade não é só ensino superior, tem pesquisa. E ensino superior não se faz só em universidade em lugar nenhum do mundo. Aqui temos a ideia de expandir o ensino superior replicando uma Unicamp em cada aldeia. Os norte-americanos foram inteligentes em dividir e diversificar as instituições e os cursos para poder estabelecê-los próximos das pessoas e de suas necessidades. Fazem adaptações. Algumas que vão durar pouco tempo.

Pode dar exemplos?

Capilarizaram os "junior colleges". Universidades criaram campi auxiliares fora de sua sede para oferecer os dois primeiros anos. Depois, se o estudante tiver pique, pode fazer curso em outro campus. Se não, fica com aquilo que fez e tem um diploma. Os franceses começaram a fazer isso nos anos 1970: diplomas de cursos de curta duração usando até a estrutura de liceus. Temos uma coisa parecida com as escolas técnicas federais, agora chamadas de IFs (institutos federais de educação), mas o ritmo é lento. É preciso multiplicar por quatro e capilarizar.

As federais não estão passando por ampliação?

O Reuni [programa federal de expansão criado em 2007] obrigou a uma expansão para fora da sede. Na Paraíba, há quatro campi fora de João Pessoa. No Maranhão, a universidade saiu de São Luís. Foi uma imposição, e é o único jeito que funciona. E expansão com curso noturno. Esse fato é importante, porque 85% dos alunos das escolas particulares estudam à noite. Nas públicas é o inverso, só 30% das vagas nas federais estão em cursos noturnos. É pouco. Mesmo que as federais aumentassem muito as suas vagas, na estrutura atual, nunca iriam acolher esse estudante.

Alguns dizem que o Prouni é uma forma de apoio a escolas privadas de qualidade duvidosa. O sr. concorda?

O Prouni [programa de bolsas em faculdades particulares] não criou isenções [fiscais]. Elas estão na Constituição. O Prouni regulou isenções. Estipulou que as bolsas tinham que ser oferecidas segundo critérios do MEC, como renda [do aluno]. As escolas privadas faziam coisas que não se acredita. Davam bolsas para filhos de funcionários e professores e incluíam isso em acordos coletivos como moeda de troca em negociação salarial. O Prouni tentou disciplinar isso. E se tornou uma coisa boa para os empresários.

Quais são suas críticas ao Fies?

O problema é que é uma dívida, o aluno pagando pela escola com o empréstimo do governo. É ruim também porque transforma a relação entre estudante e escola numa questão de mercado. Hoje, 40% dos estudantes das escolas privadas têm um dos dois [Fies ou Prouni]. Elas se transformaram num setor estatal, mas que não é controlado na qualidade. De cada dez intervenções do MEC, sete ou oito vão ser malsucedidas, porque o judiciário vai dar ganho de causa para as escolas.

O Fies deveria ser revisto?

Completamente. Deveria ser mais limitado e mais rigoroso. Se houvesse um setor público que crescesse de outro modo, ele poderia competir com o setor privado. O setor privado não tem pejo de se instalar em locais menos solenes. Universidade aqui quer ter um campus que é uma catedral. É preciso construir coisas mais acessíveis, fazer pequenos prédios, aproveitar os existentes.

RAIO-X

FORMAÇÃO
Graduado, mestre e doutor em filosofia pela USP

ATUAÇÃO
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp

LIVROS
"Educação Superior nos Estados Unidos: História e Estrutura" e "O Peso do Estado na Pátria do Mercado", entre outros