Publicado: Quarta, 07 Janeiro 2015 09:43
  Fonte: Jornal da Ciência


Em artigo enviado para o Jornal da Ciência, Adalberto Luis Val, William Magnusson, Philip Fearnside e Niro Higuchi (INPA, membros da Academia Brasileira de Ciências) defendem a importância dos cursos de pós-graduação em institutos de pesquisa

Recentemente, o ex-ministro Campolina do MCTI, ao avaliar a pasta numa entrevista a Leandro Cipriano, da Agência Gestão CT&I, deixou um alerta sobre o “inchaço da pasta” e ressaltou que “há um problema de atuação das entidades ligadas ao MCTI, ao ressaltar que elas oferecem cursos de pós-graduação, serviço que deveria ser proposto por instituições de ensino superior. Eventualmente, algumas áreas de especialização podem ter alguma complementação, mas isso deveria ser tarefa das universidades brasileiras. Deveríamos, nessa reestruturação, transferir esses programas” disse.


Há dois erros estratégicos nessa avaliação. Em primeiro lugar, no mundo atual, a Ciência, a Tecnologia e a Inovação ocupam mais e mais uma posição central, tanto para processos produtivos mais eficientes e competitivos como para a prática dos novos processos educacionais. Por isso, para um país das dimensões do Brasil e com as aspirações de ocupar a posição que lhe é possível no ranking dos países desenvolvidos, não há que se falar em “inchaço” da pasta por conta das instituições “atreladas”. Em termos de número de funcionários, o conjunto dos Institutos do MCTI somados não se equipara a uma universidade de médio porte do Brasil. A rigor, seria necessário expandir a atuação de vários institutos não só do ponto de vista de suas missões, como também do ponto de vista geográfico e de suas funções sociais. Vários, se não a maioria, dos institutos de pesquisa atualmente existentes foram criados antes da existência do MCTI e tinham um quadro de pessoal qualificado maior do que o quadro atual. Esses institutos produziram um conjunto de informações relevantes para vários setores econômicos e de segurança estratégica do país. Falar em inchaço da pasta por conta dos institutos de pesquisa é, portanto, uma falta de visão estratégica.

Ressalte-se que os Institutos adotam um plano de trabalho acordado com o MCTI e, graças à determinação de seus servidores, executam-no. Ressalte-se que os orçamentos dos Institutos têm tido pouca atenção do MCTI e não têm a flexibilidade necessária nem para o custeio das necessidades básicas de uma instituição de pesquisa, quanto mais para investimentos em pesquisa de alto nível. Recursos para essa finalidade vêm de ações obstinadas de seus pesquisadores e estudantes de pós-graduação.

A ciência avança através de processos de inovação e consolidação, processos complementares, mas que podem ser contraditórios. O papel das universidades na consolidação e democratização da ciência é indiscutível. No entanto, a necessidade de consolidação muitas vezes limita sua atuação em fronteiras conceituais e geográficas da ciência. Os institutos de pesquisa do MCTI mostraram ter um papel complementar em formar estudantes em nível de pós-graduação em áreas estratégicas para o país, como sensoriamento remoto e tecnologia de informação. Também, estão levando a ciência para áreas geográficas estratégicas, como a Amazônia. Como exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia abriga sete pesquisadores 1A do CNPq, os únicos deste nível na Amazônia Ocidental, e opera dez programas de pós-graduação, entre os quais os únicos de nível 6 e 5 da CAPES na Amazônia Ocidental. A falta de reconhecimento dos papeis complementares e estratégicos das universidades e institutos de pesquisa no ensino de pós-graduação mostra falta de visão e ameaça a liderança do Brasil em áreas como a biodiversidade e sensoriamento remoto, e poderia eliminar um dos motores mais importantes nos últimos anos na melhoria da pós-graduação no Brasil.

A rigor, em contraste com a proposta do Senhor ex-Ministro, seria necessário pensar na consolidação dos institutos de pesquisa, na sua capilarização pelo território brasileiro e, principalmente, em proporcionar a todos eles um processo contínuo de fortalecimento de seus quadros, por meio da renovação e fixação de novos talentos.

Basta fazer uma breve análise da dinâmica dos institutos de pesquisa dos países do primeiro mundo para concluir que andamos na contramão do processo de fortalecimento e consolidação que se observa nesses países em face da globalização. Enquanto geramos processos de acompanhamento e limitamos a nossa própria capacidade de pesquisa, países desenvolvidos fazem o acompanhamento pelos resultados. Enquanto exigimos um volume considerável de papéis e requisitamos o comparecimento constrangedor de pesquisadores visitantes nos departamentos da policia federal para confirmar vistos e estada, pesquisadores brasileiros são mais do que bem vindos em países desenvolvidos. Enquanto mantemos pesada rotina para a compra de insumos perecíveis, nossos colegas no exterior tem o material que precisam no dia seguinte na porta de seus laboratórios. Enquanto no mundo todo a permuta de material biológico de coleções científicas é uma rotina bem estabelecida, o material a nós enviado até chega a ser confiscado e incinerado. Perdemos nós. Aliás, se o ex-ministro se refere ao inchaço dessa vertente de nosso caráter, capaz de gerar regras, formulários, requisições, estamos de acordo.

É preciso notar ainda que o Brasil construiu, nos últimos anos, uma estrutura invejável para a pesquisa científica e que pode perdê-la ou torná-la obsoleta se pastas estratégicas como a Educação e a Ciência, Tecnologia e Inovação não atuarem de forma estratégica. A pós-graduação no Brasil ganhou dimensões referenciais para o mundo e resulta de uma ação concertada entre vários níveis de governo.

A pós-graduação é um treinamento avançado que deve ser construído por meio de um tripé de alto nível: uma infraestrutura institucional sólida e compatível com o que há no front da ciência; um corpo docente qualificado e competitivo nacional e internacionalmente; e um corpo discente com perfil para se dedicar à produção de informações de alto impacto e que seja capaz de manter a necessária atmosfera acadêmica “faça chuva ou faça sol”. Note-se que somente após adotar meios para acompanhar os programas de pós-graduação por meio da CAPES foi que o Brasil experimentou um avanço sem precedentes quanto à sua inserção no mundo da Ciência.

Ora, o que é um instituto de pesquisa senão um ambiente (sensu amplo) que produz conhecimento de alto nível? Evidentemente, no mundo moderno, esse conhecimento não é neutro; é voltado para o meio em que se insere e para a sociedade que o sustenta. Os editais de pesquisa, aos quais concorrem os pesquisadores para buscar recursos para seus projetos, determinam essas diretrizes. A relação entre esses editais e a governança das Instituições é assunto para outra hora. Aqui queremos chamar a atenção para um velho bordão de que apenas as universidades deveriam ter programas de pós-graduação. No que se refere a Ciência, Tecnologia e Inovação, não há visão mais equivocada que essa.

Para não se alongar, três elementos evidenciam claramente que a pós-graduação ajuda a fortalecer e a consolidar os institutos de pesquisa, principalmente em tempo de escassez de recursos humanos qualificados. A pós-graduação a) otimiza o uso do ambiente construído por meio da ampliação da pesquisa e da extensão; b) mantém o estímulo constante por meio do desafio imposto pela circulação de novas ideias, e c) ajuda a operar cooperações interinstitucionais (nacionais e estrangeiras).

Em constituindo ambientes desenhados para a pesquisa científica, os Institutos encerram condições especiais para a formação de novos pesquisadores e podem contribuir com o esforço do país para a capacitação de pessoal, sem nenhum prejuízo para a missão institucional. Pelo contrário, jovens interessados pela pesquisa científica de alto nível contribuem com a otimização do uso dessas estruturas por meio do desenvolvimento de pesquisas que constituirão suas dissertações e teses, além de interagir continuamente com um corpo de pesquisadores e técnicos envolvidos em tempo integral com a pesquisa científica. Em muitos institutos de pesquisas do MCTI, os estudantes de pós-graduação representam um contingente maior do que o de pesquisadores e, considerando que seus projetos de pesquisas se alinham com os planos diretores, pode-se afirmar que a pós-graduação contribui de forma significativa com as missões dessas instituições. É preciso ter em conta, também, que mostrar caminhos e demonstrar como fazer integra a índole do pesquisador. Portanto, sob este ponto de vista, a pós-graduação contribui com a consolidação dos institutos de pesquisa.

Como a Ciência se constrói por meio de novos desafios e de novas perguntas, a presença de jovens interessados na produção de novas informações mantém contínuo questionamento por meio das inúmeras atividades relacionadas. A partir desses questionamentos emergem novas ideias e desenhos experimentais para testá-las. Isto é, a presença da pós-graduação evita a acomodação e a chama da Ciência não se esmaece. Definitivamente, nada melhor para a Ciência juntar pessoas que sabem fazer com pessoas que querem aprender a fazer e juntas produzirem a informação até então desconhecida por todos. Assim, de novo, sob este ponto de vista, pode-se dizer que a pós-graduação é vital para uma instituição de pesquisas.

Outro aspecto relevante é que boa parte dos novos mestres e doutores passa a exercer suas atividades profissionais em outras instituições ligadas a diferentes níveis de governo ou ministérios e opera uma fantástica rede de relacionamentos profissionais que se consolida no país a passos largos. Opera também um vasto conjunto de conexões e cooperações com outros países o que permite avançar com a produção do conhecimento. É muito importante constatar que, nas duas últimas décadas, produziu-se mais informações do que as que foram produzidas nos 500 anos anteriores. Mas, o mais importante para um país com os nossos desafios é constatar que essas informações incorporam-se nos sistemas produtivos, na promoção social e na geração de informações que permitem a conservação de nossas riquezas naturais.

Como muitas vezes enunciado por um dos mais importantes conhecedores da pós-graduação no Brasil, “Advogar que os institutos tenham missão bem definida e até mesmo com ação direta nas atividades de pesquisa aplicada, como é o caso de várias instituições, não é incompatível com a presença da pós-graduação. Muito pelo contrário”. Portanto, seria um erro estratégico irreparável desmontar a pós-graduação existente nos institutos de pesquisas. Pelo contrário, é preciso fortalecê-la, principalmente em áreas estratégicas para o país, como a Amazônia, o espaço sideral, as mudanças do clima, a biodiversidade  e outras fronteiras de conhecimento.

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