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  Publicado: Quarta, 19 Novembro 2014 15:19
  Fonte: Portal G1 Educação

Especialista do Banco Mundial explica por que América Latina perde em média 1 dia por semana de aula e como melhorar isso em curto e lonzo prazo.

Alunos brasileiros perdem em média um dia de aula por semana por conta de desperdício de tempo em sala de aula, gasto com atrasos, excesso de tarefas burocráticas (fazer chamada, limpar a lousa e distribuir trabalhos) e em aulas mal preparadas pelo professor - tempo este que deixa de ser gasto com o ensino de conteúdo.

Essa foi uma das principais conclusões de um estudo recém-lançado pelo Banco Mundial que analisou o trabalho de professores na América Latina e seu impacto sobre a qualidade do aprendizado, a formação dos alunos e o desempenho desses países em rankings internacionais de educação.

 

A pesquisadora Barbara Bruns, uma das autoras do estudo, lembra que o tempo de interação entre aluno e professor é o momento para qual se destinam, em última instância, todos os investimentos em educação. "Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte sobre o que ocorre na sala de aula", diz ela.

O Banco Mundial avaliou 15,6 mil salas de aula, mais da metade delas no Brasil (classes dos ensinos fundamental e médio em MG, PE e RJ), e calcula que, em média, apenas 64% do tempo da classe seja usado para transmissão de conteúdo, 20 pontos percentuais abaixo de padrões internacionais.

Confira a entrevista que Bruns, estudiosa da educação brasileira há 20 anos, concedeu por telefone à BBC Brasil:

BBC Brasil - O fato de um tempo tão significativo de aula ser perdido ajuda a explicar o desempenho abaixo da média dos países latino-americanos em avaliações internacionais?

Barbara Bruns - Sim, definitivamente é um fator. Em escolas no leste da Ásia, Japão, Cingapura, Finlândia e Alemanha, você não vê professores chegarem à sala de aula sem um material pronto, sem essa percepção de que o tempo precisa ser usado para ensinar e manter os alunos engajados, algo crucial para o aprendizado.

E com frequência nas salas de aula da América Latina parece haver uma falta de organização por parte do professor. Não parece haver a percepção da limitação do tempo e do que economistas chamam de custo de oportunidade de não usar esse tempo para o ensino.

E o tempo entre alunos e professores na sala de aula é o ponto em que culminam todos os investimentos em educação: gastos com salários dos professores, com a formulação do currículo escolar, infraestrutura, material, gerenciamento. Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte no que ocorre na sala de aula.

Vemos que na América Latina muitos países gastam uma proporção alta de seu PIB na educação, e não estão obtendo resultados porque esses investimentos não estão sendo usados (para aprimorar) o momento que os professores têm com os alunos.

Se professores estão perdendo 20% do tempo de instrução com os estudantes, é como dizer que estão sendo perdidos 20% dos investimentos em educação, porque não estão sendo usados para o ensino.

BBC Brasil - Como resolver isso?

Bruns - Primeiro, mudar a forma como o professor é preparado antes de entrar ao sistema de ensino. Na América Latina, há muito pouca ênfase (nos cursos preparatórios) sobre como gerenciar uma sala de aula, como ser um professor eficiente. Ouço com frequência de ministros e autoridades: as faculdades de pedagogia falam muito de filosofia, história da educação, das disciplinas (do currículo), mas muito pouco sobre a prática do ensino.

Fazendo uma analogia com a medicina, ninguém ia querer um médico que fosse treinado apenas em história da medicina e em questões teóricas. Médicos passam vários anos aprendendo como lidar com pacientes reais. Os professores precisam dessa mesma oportunidade de praticar.

E o que vemos em sistemas educacionais de alta performance, desde Cuba – que tem boa tradição de treinamento de professores – ao leste da Ásia e ao norte da Europa, é que professores em treinamento passam muito tempo observando outros professores e sendo orientados. Isso quase não ocorre na América Latina.

Outra coisa que precisa mudar é o apoio a professores que já estão em sala de aula. Eles precisam receber "feedback" sobre sua performance, ver bons exemplos e ser estimulados a compartilhar conhecimento.

O Rio está fazendo isso no Ginásio Experimental Carioca (projeto que traz mudanças em gestão e currículo escolar nos anos finais do ensino fundamental da cidade), mudando o calendário escolar para criar momentos em que os professores se reúnem para trabalhar juntos; ou colocando professores novos para observar os melhores e mais experientes.

Uma das descobertas mais importantes e surpreendentes de nossa pesquisa é que, dentro de uma mesma escola, há grande variação na forma como os professores ensinam – desde o professor excelente até o que é muito pouco eficiente.

Por isso, é preciso encontrar formas de estimular os professores a trabalhar juntos na escola, como fazem no Japão e na Finlândia.

O Banco Mundial tem um projeto com a Secretaria de Educação do Ceará para criar uma comunidade de aprendizado dentro de cada escola. Daqui a um ano saberemos que tipo de impacto isso terá (no ensino) de 350 escolas.

BBC Brasil - A preparação de professores é um dos maiores desafios educacionais da América Latina?

Bruns - Uma das estratégias mais importantes de curto prazo na região deve ser o treinamento de professores para que eles usem o tempo de aula de forma mais eficiente e, além disso, mantenham os estudantes engajados.

Ao observar as salas de aula, descobrimos que, mesmo enquanto os professores estão ensinando, metade do tempo eles não conseguem manter os alunos focados no conteúdo.

Víamos os estudantes dormindo, digitando no celular, conversando entre si, olhando pela janela. E isso jamais seria permitido pelos professores do leste asiático, por exemplo – eles estariam dando um jeito de fazer com que todos estivessem engajados. Sabemos que, para aprender, os estudantes têm de estar engajados.

No longo prazo, porém, o desafio é atrair um novo tipo de profissional à carreira de professor: fazer com que ela seja uma carreira atraente para os formandos de melhor performance (acadêmica), como acontece na Finlândia e Cingapura. Daí ficará muito mais fácil obter professores excelentes.

Já na América Latina e nos EUA, a profissão ficou tão degradada que os professores acabam sendo recrutados entre estudantes de pior performance. Ou seja, é necessário criar incentivos para que pessoas com bom desempenho escolham a carreira.

E também acho que, quanto aos aumentos salariais – e há muitas evidências de que os salários dos professores precisam aumentar para atrair pessoas competentes -, eles devem ocorrer de forma diferenciada (de acordo com o desempenho). Não pode ser que professores bons e professores ruins ganhem a mesma coisa.

É preciso criar incentivos para que as pessoas trabalhem melhor e para que os mais inteligentes entrem na profissão. Na América Latina, a maioria das promoções de carreira é com base em tempo de casa, em vez de desempenho. Então em alguns casos, dois professores ganham o mesmo salário, mas um faz um trabalho excelente e outro não faz nada.

A cidade de Washington fez uma grande reforma educacional, estabelecendo claros parâmetros para a excelência de professores e avaliando professores segundo esses parâmetros. Os que não os cumprissem eram demitidos ou tinham um ano para melhorar seu desempenho. Já os excelentes tiveram seus salários dobrados. Passados quatro anos, mesmo em meio a polêmicas, os professores gostaram (do projeto), e o desempenho dos alunos de Washington passou a estar entre os melhores do país.

Mas é bom acrescentar que o Brasil vive um momento empolgante: muitos secretários de educação e prefeitos querem fazer mudanças. Vemos diversas experimentações e inovações promissoras pelo país. Se conseguirmos medir esses experimentos, teremos (armas) poderosas. Nos 20 anos que estudo o Brasil, pude ver muitos avanços. Mas obviamente há muito a melhorar.