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  Publicado: Sexta, 14 Novembro 2014 10:12
  Autor: André Jankavski
  Fonte: ISTO É


Rodrigo Galindo, presidente da Kroton Educacional ( foto: João Castellano/Istoé)

Sob qualquer ponto de vista, o setor da educação é uma atividade promissora no Brasil. Basta fazer uma conta rápida. Com uma população de 200 milhões de habitantes, o País tem apenas 15 milhões de profissionais com ensino superior completo, um mercado de trabalho que, cada vez mais, demanda qualificação e um contingente de 13 milhões de analfabetos. Resumindo, há um imenso campo a ser explorado. Nos últimos anos, embalado por incentivos governamentais, como o ProUni e o Fies, o grupo mineiro Kroton Educacional tornou-se a maior empresa de educação do mundo em faturamento, com receitas que devem superar R$ 4,7 bilhões neste ano e produzir R$ 1 bilhão de lucro líquido. Para o presidente da Kroton, Rodrigo Galindo, não há qualquer sinal de perigo no horizonte do setor, a despeito do fraco desempenho da economia. “Precisamos gerir o sistema público de ensino com premissas da iniciativa privada”, afirma o executivo.


DINHEIRO – O que a reeleição da presidenta Dilma Rousseff representa para o mercado de ensino superior?
RODRIGO GALINDO –
Qualquer que fosse o presidente eleito, víamos um cenário seguro na educação. Nos discursos dos três principais candidatos, Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva, a educação era tratada como prioridade. Todos valorizaram os programas de ensino superior, como ProUni, Fies e Pronatec. Afinal, os programas são bons. São bons para o setor, bons para as instituições, mas, principalmente, bons para os alunos e para o País. Não é à toa que as ações das empresas do setor de educação foram consideradas como seguras no mercado de capitais, pois a estimativa era de estabilidade, independentemente de quem vencesse.

DINHEIRO – Mas a vitória da presidenta Dilma causou uma valorização de 21,7% nas ações da Kroton na semana pós-pleito. A reeleição, então, foi boa para o grupo...
GALINDO –
A percepção do mercado foi de que, ainda que os outros candidatos tivessem defendido a preservação dos programas existentes, manter o governo que estimulou todos eles deu um adicional de segurança. Mas a nossa percepção é de que com qualquer candidato os programas continuariam.

DINHEIRO – A valorização das ações da Kroton, movimento observado em outras empresas do setor, indica que as instituições privadas dependem do governo?
GALINDO –
Não vejo dessa forma. Os resultados mostram que as nossas operações tendem a gerar valor futuro. Um pedaço desse valor vem de parcerias com o governo, mas o setor não é dependente dos programas do poder público, pois temos uma relação em que todos ganham. Pesquisas mostram que o estudante de universidade pública custa sete vez mais que o de uma particular. É óbvio que uma parceria com a iniciativa privada é mais eficaz para criar mão de obra qualificada.

DINHEIRO – Então, investir em universidades privadas é mais indicado do que ampliar as públicas?
GALINDO –
Elas têm papéis diferentes dentro da sociedade. As universidades públicas são bem mais relevantes na criação e na realização de pesquisas. No entanto, para a criação de mão de obra qualificada, as faculdades particulares são mais eficientes.

DINHEIRO – Por que as universidades públicas ainda são mais respeitadas do que as privadas? Na sua visão, isso pode mudar?
GALINDO –
Trabalhamos diuturnamente para aumentar a percepção de qualidade das nossas instituições. No último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, o Enade, a Kroton obteve 80% de avaliações satisfatórias. As universidades públicas tiveram 81%. As privadas, como um todo, 68%. As públicas ainda têm uma boa vantagem sobre as particulares, mas a Kroton, especificamente, está no mesmo patamar. Obviamente, existe toda uma história das universidades brasileiras e isso também dá essa percepção de qualidade superior. Mas, objetivamente, não temos motivos para dizer que as universidades públicas são superiores às privadas na criação de mão de obra qualificada.

DINHEIRO – Então, o foco das privadas é somente a formação de mão de obra?
GALINDO –
Não é que a universidade privada tenha só esse papel, mas é o principal. Temos obrigação de desenvolver pesquisa para mantermos o status de universidade. Contudo, é inegável que a produção científica das públicas acontece numa quantidade maior e também com qualidade. Dos três papéis de uma universidade, o ensino, a pesquisa e a extensão, as privadas focam na formação de ensino e de mão de obra.

DINHEIRO – Como o setor pretende crescer em um ambiente de risco de alta do desemprego e baixo crescimento?
GALINDO –
A nossa percepção é de que a educação se tornou um dos setores mais resistentes a essas intempéries macroeconômicas. Se tivermos quatro anos seguidos de aumento de desemprego e baixo crescimento, claro que vamos sofrer. No entanto, sentiremos menos e mais tarde que as outras indústrias. A linha de financiamento do Fies, por exemplo, ajuda a aumentar essa força. Antes do programa, um aluno que tinha de pagar R$ 700 de mensalidade poderia desistir do curso ao perder o emprego. Com o Fies, ele paga uma taxa R$ 17 por mês. Ainda que ele perca a fonte de renda, dificilmente a família não poderá ajudá-lo. Por isso, a relação direta entre desemprego e evasão mudou. Mas os principais desafios do País estão nos níveis básicos de educação.

DINHEIRO – Quais são os desafios?
GALINDO –
A universalização da escola foi conquistada. Hoje, 96% das nossas crianças em idade escolar estão estudando. O desafio, agora, é aumentar a qualidade para que essas crianças se mantenham lá. De cada 100 alunos que entram no ensino fundamental, 90 concluem. Desses, 75 entram no ensino médio e 57 finalizam. Depois, 14 entram na universidade e apenas sete se formam. É um número muito baixo. Existe muita coisa a ser feita.

DINHEIRO – Quanto a baixa qualidade na educação básica prejudica o estudante que ingressa na universidade?
GALINDO –
Muito. Recebemos um aluno no ensino superior com enormes problemas de formação. Eles são tão grandes que, nos quatro primeiros semestres dos cursos na Kroton, os alunos são obrigados a fazer aulas gratuitas de nivelamento. Temos disciplinas como língua portuguesa, matemática e biologia, dependendo de cada área. Precisamos resgatar o aluno para que ele consiga acompanhar as aulas da faculdade.

DINHEIRO – O que deve ser feito para melhorar esse cenário?
GALINDO –
A definição de um currículo mínimo determinado no ensino básico poderia ser o início. É uma necessidade do nosso sistema, que é gerado por Estados e municípios, para equilibrar a grade curricular. Também é necessária uma revisão da carga horária. Atualmente, um enorme contingente de alunos sai da escola sem compreender o básico. Precisamos ter um choque de gestão no sistema de ensino. Em boa parte das escolas, os diretores são eleitos pelos seus colegas. Ou seja, a meritocracia não está presente nessa escolha, mas a relação entre eles.

DINHEIRO – E a realização é possível?
GALINDO –
Sim. Pois sobra dinheiro para a educação, mas falta gestão. Precisamos gerir o sistema público de ensino com premissas da iniciativa privada. Temos de medir resultados, adotar a meritocracia. Recursos, em si, não são problema. O investimento em educação no Brasil cresceu de 3%, há 15 anos, para 6,8% do PIB, atualmente. Então, o que falta é gerir melhor os recursos, não somente aumentá-los.

DINHEIRO – A Kroton possui uma das melhores margens do setor e boas avaliações de qualidade. Como agradar a acionistas e consumidores ao mesmo tempo?
GALINDO –
A qualidade do serviço que prestamos é o que nos dá boas margens. A base do nosso serviço não é gestão: é a qualidade acadêmica. Tudo o que desenvolvemos se destina somente à melhora dos nossos cursos. A Kroton é uma empresa de educação, não é de lucro líquido ou Ebitda (medida de geração de caixa). Esses resultados são consequência do nosso trabalho em educação. Nossa escala também auxilia na rentabilidade, pois negociamos recursos para um milhão de estudantes, não apenas para mil. O próprio processo de consolidação traz valor ao sistema, pois permite que as universidades fiquem maiores e que seja mais fácil investir em qualidade. O terceiro quesito é a gestão. Criamos uma gestão eficiente, robusta, tanto administrativa quanto acadêmica. Juntando esses fatores, conseguimos desenvolver um projeto que gera valor para o aluno e para o acionista.

DINHEIRO – E como está a fusão com a Anhanguera, seis meses após a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)?
GALINDO –
Estamos confiantes na obtenção de sinergias, que serão de R$ 300 milhões. Tivemos momentos tensos durante a negociação, pois os resultados da Kroton no último ano foram superiores aos da Anhanguera. Mas ambas as empresas tiveram o bom senso de perceber que os números precisavam ser revistos. Renegociamos em maio e, no mesmo mês, obtivemos a aprovação do Cade.

DINHEIRO – Houve algum risco de o negócio não acontecer?
GALINDO –
Sim. Houve momentos em que existiam menos de 10% de chances de que a fusão continuasse. As negociações foram duras. Ainda assim, mantivemos a disciplina. Nunca entramos em uma integração tão preparados. Do ponto de vista sistêmico e processual, sabíamos que a fusão seria um sucesso. Agora estamos buscando os resultados.

DINHEIRO – Como estão as oportunidades para novas aquisições no Brasil?
GALINDO –
Existem muitos espaços para consolidação. É tudo muito pulverizado. Temos 2,3 mil instituições de ensino no País e poucas indústrias têm essa quantidade de competidores. O exemplo da oportunidade está em nossos números. Mesmo sendo a maior empresa de educação do mundo, temos 13% de participação de mercado no País. Hoje, não vemos nenhum empecilho para fazer novas aquisições, mesmo duas ou três ao mesmo tempo. Nossa estrutura de gestão está preparada para isso.