Publicado: Segunda, 01 Abril 2013 10:50
  Autor: Isaac Roitman

O avanço científico e tecnológico não tem sido acompanhado de avanços na consolidação de valores virtuosos e nas condutas éticas da nossa sociedade. A ânsia de poder da maioria de nossos políticos, o individualismo e a falta de tolerância envenenam o convívio saudável nas relações humanas. O filosofo Immanuel Kant ainda no século XVI já ensinava que o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele. Assim, ninguém pode imaginar uma sociedade justa e feliz, longe dos princípios de uma educação de qualidade que é o melhor caminho para alcançarmos uma sociedade plural onde todos terão as mesmas oportunidades e onde todos se respeitem.

As formulas para a obtenção de uma educação de qualidade são conhecidas. O primeiro requisito é a formação adequada e a valorização do professor. Outras dimensões são igualmente importantes como a adequação de conteúdos e de pedagogias para se alcançar os objetivos de cada nível de ensino. A infra-estrutura do ambiente escolar deve acompanhar os progressos das tecnologias de comunicação e informação, assim como a gestão deve ser eficiente.

Apesar de conquistas importantes como o fundo de financiamento para a educação básica (Fundeb), as avaliações do sistema educacional mostram que o Brasil carece de qualidade principalmente no ensino básico. Os jovens que recebemos atualmente na escola demandam uma metodologia diferenciada e uma relação respeitosa entre o educador e o aluno. A educação em todos os níveis, sempre esteve presa a parâmetros: salas de aula, calendário escolar, grade curricular e modelos pedagógicos centrados no professor. Uma nova concepção pedagógica deve apontar para um conhecimento integrador que estimule a criatividade, a crítica argumentada, a iniciativa e sobretudo a construção de valores da cidadania. Essa nova pedagogia deverá privilegiar algumas aptidões nos primeiros anos da educação escolar: saber ler, interpretar, escrever, contar, raciocinar, pensar, relações respeitosas entre seres humanos e respeito pela natureza. Sem a exclusão de atividades individuais, as atividades de interação e o trabalho em equipe deverão ser estimulados, através do desenvolvimento de projetos com objetivos claros. As atividades artísticas, culturais e esportivas deverão ser incentivadas respeitando-se as tendências e as sensações individuais dos alunos. 

Uma experiência que pode provocar uma inflexão no sistema educacional brasileiro foi implantada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro na Escola André Urani, na Rocinha. Nesse projeto, que tem o nome de "GENTE" - Ginásio Experimental de Novas Tecnologias - não haverá séries nem salas de aulas tradicionais. Em vez disso, 180 jovens da sétima a nona série do ensino fundamental, serão agrupados em equipes de seis membros, chamadas de "famílias", independentemente de sua série de origem. Cada aluno terá um itinerário de aprendizado pessoal. Será o jovem o responsável por escolher a forma como o conteúdo lhe será entregue: vídeos-aulas, leituras, atividades individuais ou em grupo. Todas as semanas os alunos serão avaliados na Máquina de Testes, um programa inteligente que propõe questões de diferentes níveis de dificuldade, para garantir a evolução no conteúdo. Quando ele não chegar ao resultado esperado, o jovem receberá uma atenção individualizada. O novo modelo pretende dar às crianças e jovens uma educação mais alinhada com o século XXI. A proposta inova na arquitetura, apropria-se integralmente de novas tecnologias educacionais e coloca o aluno no centro do processo de aprendizagem. O professor não será um transmissor de conteúdo, e sim, um facilitador, que ajudará seus alunos a encontrarem o seu próprio conhecimento e irá indicar formas para que esse processo seja efetivado. Se a experiência for bem avaliada ela poderá ser implantada em todo o país.

Novas experiências como a descrita devem ser incentivadas para implantarmos uma verdadeira revolução na educação brasileira. À hora é agora. Nesse contexto é pertinente lembrar as palavras de Fernando Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".

Isaac Roitman é coordenador do Núcleo do Futuro da Universidade de Brasília e membro titular da Academia Brasileira de Ciências

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